Conto
por Rogério Ribeiro
por Rogério Ribeiro
As horas passavam rapidamente no relógio da estante que guardava a bolsa que, menos impaciente, esperava.
A última vez que olhara, eram 3:10 da tarde, de um dia de
muito calor.
Todos os dias ela saia quase que na mesma hora, em busca do
que perdera nos últimos 14 anos de sua ainda jovem vida.
Saía também, em busca do que não havia
encontrado na tarde do dia anterior.
Ela olhou para a bolsa e jogou para o objeto de companhia, a responsabilidade de tirá-la de casa mais uma vez, para o nada. Levantou-se, pegou a bolsa e saiu.
Na rua, os homens que a acompanhavam com olhares cobiçosos e
desinteressados, a seguiam na mesma calçada que levava a todos, para um destino
de muitas bifurcações.
Ela não tinha um nome.
Se alguém a chamasse ela não se
identificaria. O que a identificava, nos poucos documentos que moravam
incólumes na mesma bolsa que a acompanhava todos os dias, haviam perdido o
sentido, a função e se perdido da lembrança da jovem mulher que os portava.
Não era tratada pelo nome; os nomes que lhe davam, eram os
que saciavam as vontades de que ela fosse o objeto de seus desejos. Homens e
mulheres, os escolhiam.
Refém de sua busca, ela já não existia em meio à multidão.
Há muitos anos se esquecera do que era a sua composição...
Desfragmentada, já deveria compor o cenário do chão das ruas pelas quais passava todos os dias.
Sabia disso.
Antes, no percurso de todas as tardes; antes de ir para o Pub
onde trabalhava, ela olhava o céu, o chão repleto de si nas ruas por onde
passava, os prédios e os grandes letreiros que lhe chamavam a atenção para uma possível
vida futura onde talvez, teria toda a felicidade dos anúncios.
No tempo em que se permitia esse vislumbrar de sonhos
impossíveis, ela percorria o caminho sem trilha sonora. Apenas, as palavras que faziam seu peito
desabafar a dor, ao caminhar dos pés que em seus passos, se faziam notar mais
que as palavras incessantes:
Quando terei? E até
quando? Sem dar ouvidos aos gritos, seus
pés a levavam. A caminhada
seguia.
Cansada.
Mais tarde, os pés que haviam percorrido todo o percurso da
casa que não lhe pertencia, até o trabalho e mais alguns quilômetros dentro do
balcão do Pub, sentiam todo o peso do dia que insuportavelmente, era menor que o
seu.
Ela então se despedia de toda a
lembrança da noite e também dos que nunca a acompanhavam... Era estranho, mas até
as colegas de um trabalho indesejável não eram cúmplices do cansaço de tantas
outras.
Ela mais uma vez, longe do bando, dirigiu-se, às mesmas
ruas lembrantes, às compras, num super mercado que permanecia aberto nas vinte e
quatro horas do dia e que vendia sonhos, além de alimentos. Pelo menos para ela.
Ao encher o cesto de garrafas de água, um homem que a
observava quieto por entre as gôndolas, se aproximou e num olhar próximo do que
ela sonhara por noites infindas, disse sem preocupar-se com ela e o resto:
- Me dê um pouco dessa sua água?
O homem que aparentava não precisar dela, nem ao menos do
líquido daquele pedido esperava a resposta de seus profundos olhos, mas com a boca ela
respondeu:
- Você não parece nem um pouco, precisar de um copo... Pode
comprar a sua.
O homem que continuava a olha-la, respondeu num tom suave e
pouco usual para aquele momento.
-Se me pedisse, eu daria... Daria mais, até... Bastava admitir
que também precisava dela...
Entendendo que se tratava de um cliente inoportuno para ela,
pediu licença indo para outra direção, longe do homem...
Em seus olhos, ainda a imagem do homem ficaria guardada pelas
noites de mente atenta; inumeradas, elas teriam algo que as tirassem o velho
assunto. Por isso, voltou:
- Você é algum louco? Por acaso é algum lunático que tem respostas
para mim e a humanidade a partir de um pouco de água?
Calmo, sem se aproximar, O homem impossível de ser vislumbrado até por ela, fitou calmamente os olhos cansados da cliente de águas, de todas as noites do
super mercado.
Sem sua permissão, aqueles olhos haviam falado com a
honestidade que lhes eram comuns, o que sobejava na alma da mulher andarilha, ao
homem que mesmo sem a ajuda deles, enxergaria o que vira.
Ele não respondeu. Continuou a fitá-la...
Ela, impaciente recuou e tentou sair novamente. Mesmo querendo saber por que aquele homem não
a olhava da mesma forma que os demais.
E perguntou; Com os olhos, mais que com palavras; Quais eram
as intenções dele; Já que não mais importava quem ele era.
Ele respondeu que sabia que ela não tinha motivos pra se
apressar, não havia quem a esperasse, ou que desejasse vê-la na casa que nem sua,
era...
Disse sem cerimônias que ela era o blefe que não enxergava.
Disse que deveria parar e, por ali, dar a si
mesma, o que tanto queria e que agora ele lhe pedia.
Porque comprava águas? Agora ela se perguntava.
E não lhe deu a água que lhe molharia a garganta; antes,
retirou-se do local deixando o homem; e foi para a rua, a pensar no que molharia
a sua vida cansada, vista na visível janela de sua alma.
Desfragmentada, já deveria compor o cenário do chão das ruas pelas quais passava todos os dias. Sabia disso.
Mais tarde, os pés que haviam percorrido todo o percurso da
casa que não lhe pertencia, até o trabalho e mais alguns quilômetros dentro do
balcão do Pub, sentiam todo o peso do dia que insuportavelmente, era menor que o
seu.
Ela então se despedia de toda a
lembrança da noite e também dos que nunca a acompanhavam... Era estranho, mas até
as colegas de um trabalho indesejável não eram cúmplices do cansaço de tantas
outras.Disse que deveria parar e, por ali, dar a si mesma, o que tanto queria e que agora ele lhe pedia.
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