terça-feira, 26 de novembro de 2013

"A MULHER DA VIDA... FÁCIL?"

Conto 
Por Rogério Ribeiro







Conta a história, que a tal, a mulherzinha de vida fácil, andava aterrorizada, como o resto da cidade, à espera do ataque do exercito inimigo.

Seu nome?  Bom... Não lhe permitiriam facilmente a dignidade ou mesmo, um bom nome... Quase nada...  Naquele tempo ou, quase certo hoje, também não.

Porem, seu nome, com honras e tudo o que me permite sua breve história, lhe permito logo de entrada: Raabe.

Então, a gentil prostituta Raabe, depois de alguns clientes, mesmo na difícil pré-guerra, voltava a sua casa com as dores que nenhum dos que a usavam, ou a grande soma dos que a condenavam, seria capaz de suportar...

Voltava para se lavar do que não sairia tão fácil de seu semblante... Mesmo que saísse, o povo, família e vizinhos a lembrariam...  

Escreveriam se não dessem ouvidos, que, ela, a moradora da casa no alto muro, a mulherzinha que não tinha os pés em casa, era a mulher da vida fácil. Continuando simplesmente e sem descanso, a não lhe permitirem nada...  Nada.

O nada era a sua condição; Ele mesmo a havia enxertado de mais nada, em volta de seus sentimentos, por dentro e por fora.  O nada, espaçoso, fizera nada mais do que costumava fazer até então: Corroía-a toda, para que tivesse mais espaço para... O nada.

Do lado de fora, entretanto, distantes, esperavam os que ela guardava no fundo de seu peito... Lá, no lugarzinho em que escondidos, ficariam protegidos das línguas que insistiam em leva-la ao nada e de sua terrível culpa; lá, ela os protegia.

Sua família, além dos que amavam, estava lá. Todos a quem amava, também.

E repetiam: “Esta, não ama!” Diziam todos... ou quase.

Não diziam mais os homens – não em sua fronte - porque estes esperavam e queriam seus favores; Era um favor... O dinheiro, ao fim da labuta era a gorjeta de feições tristes.

Tal como todas, até e depois de Gení, ela seria usada e revirada a vida toda; de todas as formas e maneiras.


Choca-lhe, dizer que além de ter a dignidade arrancada pelos que, além das roupas, limpavam-lhe o orgulho, ela, a “não amada”, ainda era ameaçada?

Creio que não... Isso não nos choca!  Nem em eras remotas...


Em choque, entretanto, conta-nos a história, que ela, por ainda chocar-se, recebeu uns soldados do exercito inimigo que naquela noite invadiram sua cidade. 

Enviados a saber das “brechas” e pontos fracos da mesma, souberam também, de seu ponto mais fraco; seu coração.

Ironia. Perseguidos por toda a cidade, esconderam-se, logo na casa que não era a residência privada de ninguém... Conhecida também como: A casa do nada...  

Ninguém deixava que fosse. Era a casa da tal mulher de vida fácil.  “Dificultemos-lhe a vida!”


“Todo o povo teme seu exercito... Nas leis injustas e no descaso da minha terra, quisera eu, fossem tuas, as ordens... Chegou antes de todo o medo, a boa fama que conservam... Bem distante desta. Por isso, deixe-me viva quando a invadirem. Sairão em paz, daqui....”


Os homens que pararam para ouvi-la, por dever a ela a vida, deram sua palavra:


“Quando invadirmos e tomarmos a cidade, serás poupada”.


Deu a ela um cordão vermelho e com ele um acordo:


“...Prenda-o na janela, à vista... Saberemos e nos lembraremos de nosso acordo. Tu e todos que ama, serão poupados.”



O cordão foi colocado à vista, o acordo lembrado... Ela e sua família, poupados.

No terrível massacre, jovens, muitos... mulheres e todos os homens foram mortos.  A cidade, tomada.


Preservada por um povo que não a admitiria jamais, ela foi amparada, fazendo descendência à sua família...


Ironicamente, na noite fria do acampamento, estava ela guardada e livre de toda a lembrança anterior ao dia em que, um acordo foi feito e, um cordão dependurado...

Antes, na nebulosa memória de dias de desgraça, algo ainda era o mesmo de quando despedaçado; fortalecido, agora vivia... Descansado.


Não fora o acordo, nem mesmo o cordão; o que a tirara da guerra...

Fora o seu e, somente seu, o mesmo de antes, humilhado coração.






Rogério Ribeiro.




Nenhum comentário:

Postar um comentário